Há muito ainda a ser feito em prol de lideranças negras nas empresas

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A trajetória profissional de Samuel Rodrigues, Head de RH do Grupo AB, foi marcada por conquistas ao longo do caminho. Iniciou sua trajetória como coordenador de RH, galgando cada passo rumo ao crescimento em passagens por empresas de diversos portes, incluindo gigantes multinacionais. O profissional se viu muitas vezes sozinho no meio da multidão. O que despertava nele esse sentimento era o fato de, em grande parte dos casos, ser um líder negro ocupando um cargo de chefia, cujas cadeiras pares eram completadas majoritariamente por líderes brancos.

“Minha trajetória profissional possibilitou que eu transitasse por vários ambientes e culturas organizacionais distintas. Mas posso garantir que, dificilmente, até bem pouco tempo atrás, eu conseguiria encontrar profissionais negros em posições de liderança ou algum par. Na maioria das vezes, me encontrava sozinho em uma cadeira de nível executivo. Quando os encontrava, sempre ocupavam posições intermediárias, como analistas, técnicos, consultores, mas nunca em posições de gestão. É como se houvesse um teto no qual esses profissionais não conseguiam ultrapassar, por mais que tivessem formação, preparo e competência”, relata Samuel.

Samuel relata que, por “sorte”, enfrentou na pele um preconceito declarado quando participava de um processo de seleção ao ser entrevistado pelo CEO da empresa que, segundo ele, tinha políticas claras sobre diversidade. “Fiquei constrangido, envergonhado e querendo desaparecer daquele ambiente. Senti na pele o que é ser julgado e não ser o finalista de um processo por conta da minha cor. Acredito que isso deve ter acontecido outras vezes em diversas oportunidades de seleção que participei, mas de forma velada”.

Desafio enfrentado pelos headhunters
 

Essa realidade descrita por Rodrigues é compartilhada não somente por quem está dentro das companhias, mas por quem está em campo buscando profissionais para ocupar cargos de nível executivo. Em plena era ESG, headhunters enfrentam uma certa resistência de seus próprios clientes na hora de sugerir a abertura de vagas afirmativas para liderança.

João Philipe Lins, engagement director da EXEC, empresa especializada em seleção e desenvolvimento de altos executivos e conselheiros, diz que o cenário ainda é bastante conservador nesse sentido e entende a importância da ação dos profissionais de seleção para fazer a diferença. “Temos a responsabilidade de ser parte dessa mudança, tentando sempre apresentar aos nossos clientes profissionais de diversidade racial para os projetos de contratação de executivos que trabalhamos. Acredito que temos muito a caminhar, pois as políticas de diversidade ainda não surtiram o efeito potencial que têm, promovendo uma equalização justa entre brancos e negros em cargos de liderança”.

Lins ressalta que o estímulo à diversidade na liderança, com a presença cada vez maior de profissionais negros, é fundamental para o futuro das empresas, se elas quiserem sobreviver a uma nova fase, na qual não haverá negociação para quem não cumpre os princípios ESG. “Estamos vendo as novas gerações cada vez mais engajadas no tema, olhando o processo e cultura das empresas além do espectro do produto ou serviço que disponibilizam. Com isso, ter um ambiente mais diverso será fundamental para as empresas que quiserem continuar conversando com esse público”, ressalta.

Além disso, o especialista da EXEC enfatizou que a divergência de pensamentos, culturas e filosofias têm se provado essencial para a inovação nas empresas. “Trabalhar a diversidade deixou de ser algo essencial somente para o social e se tornou importante para o business”.

Lins conta que na EXEC se tornou uma prática constante o mapeamento de profissionais de diversidade para posições de liderança, tarefa realizada desde os sócios até os estagiários. “Cada um tem a responsabilidade de realizar um volume específico mensal de entrevistas com profissionais que se encaixam nos critérios de diversidade, o que torna a indicação deles para os clientes algo natural. Não recomendamos ninguém apenas pela cor de pele, mas sim pela competência técnica e afinidade cultural com o cliente. Quando conseguimos unir isso ao tema diversidade, entendemos que o objetivo foi alcançado”.

Fazer a diferença por onde passar

Para Samuel, o preconceito racial sempre existiu e a sociedade ainda está longe de reparar esse erro. Segundo especialistas no assunto, o equilíbrio entre profissionais negros e brancos em cargos de liderança só deve ser alcançado daqui a quase oito décadas.

Por ter a oportunidade de liderar pessoas, o head pretende aproveitar essa oportunidade para fazer a diferença, renovando os valores inegociáveis para a contratação de profissionais negros para a liderança. “É um grande desafio renovar, atualizar e reafirmar esses valores para os novos que chegam e para os que estão há muitos anos no grupo. Só conseguiremos alcançar isso por meio de muito treinamento, desenvolvimento, conscientização, repetição e quebra de paradigmas voltados para o racismo”.

Rodrigues conta que, no mundo corporativo, mantém contato com outras lideranças negras e participa de eventos para a promoção do aumento desse espaço nas empresas. “Procuro sempre convocar outros líderes negros para se juntarem na busca e propagação dessa consciência. Somente assim poderemos começar a falar de igualdade”.

A área de RH é a guardiã das políticas, processos, código de ética e conduta, na visão do Head do Grupo AB. “Pela posição estratégica, o RH tem como obrigação ajudar a organização e a gestão de pessoas a normalizar a diversidade cada vez mais, cascateando para todos os níveis tudo aquilo que nunca deveria ter sido diferente em nenhuma organização. A verdade é uma só: somos todos iguais”, conclui.

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